C. Terceira Parte: Verdadeiros e falsos pregadores.
(Capítulos 11 a 15)
A terceira parte da Didaché constitui disposições à respeito da vida comunitária, dedicando especial atenção a hospitalidade e o discernimento dos verdadeiros pregadores, como deve ser o culto dominical, e por último a vivência e organização da comunidade.
1. Verdadeiros e falsos pregadores
Segundo a Didaché, as primeiras comunidades conheciam os apóstolos, os profetas e os mestres. É difícil entendermos qual a diferença entre estes, pois a função ou o ministério de todos era o anúncio do Evangelho e o ensino, e muito menos saber se eles tinham alguma espécie de sacerdócio ou algum posto de liderança nas comunidades.
Vemos no texto a insistência na hospitalidade dos mesmos, o que indica que seu ministério não era fixo em determinadas comunidades, que eles o exercia de modo itinerante, visando diversas comunidades cristãs. Daqui a dificuldade em distinguir quem era o verdadeiro e o falso pregador ou profeta.
A Didaché define o falso pregador como aquele que explora a comunidade e não pratica o que ensina, e para reconhecer o verdadeiro pregador do Evangelho, a comunidade chegou a diversos critérios:
· Ensinar a justiça e o conhecimento do Senhor;
· Falar sob inspiração;
· Viver como Senhor;
· Praticar o que ensina;
Podemos nos perguntar: Porque tanta atenção com homens que passavam a vida viajando anunciando o Evangelho, se a comunidade já vivia de acordo com o Evangelho? O respeito das primeiras comunidades cristãs para com os pregadores é muito grande, porque dependiam dele para conhecer o Evangelho, visto que em sua maioria eram formadas por pessoas simples e sem muita instrução. O pregador através da sua palavra e vida, de certa forma era a personificação viva do Evangelho para os cristãos, pois os Evangelhos escritos, como nós os conhecemos hoje, circulavam somente nas comunidades onde nasceram e comunidades vizinhas.
2. Hospitalidade com discernimento
O espírito de vivência da comunidade cristã é o da fraternidade e da partilha, o que a faz sempre aberta para acolher os que necessitam de ajuda. Este trecho é uma reafirmação do que a Didaché menciona várias vezes, no tocante ao relacionamento com o próximo, quem quer que ele seja.
No entanto, a comunidade deve sempre agir com discernimento, pois, a ocasião de ajuda, pode se tornar ocasião para que uns e outros “comerciantes de Cristo” aproveitem e explorem a boa vontade da comunidade e nem seja manipulada em favor de interesses alheios ao de Jesus Cristo e seu projeto. O alerta se define do seguinte modo: “Não basta ser bom: é preciso ser justo e ter muito bom-senso.
3. Sustentação do profeta
A nossa concepção em relação ao sustento dos nossos pastores é a mesma que as primeiras comunidades tinham em relação aos seus pregadores, profetas e mestres.
Por empregar todo o seu tempo na evangelização, o pregador fica dependendo das comunidades por onde passa para sobreviver, daí o compromisso das mesmas comunidades em oferecer parte das coisas destinadas ao seu sustento àqueles que se dedicam totalmente ao anúncio da Palavra de Deus e do Cristo Jesus.
O compromisso da comunidade vai muito além do sustento dos seus agentes, ela deve se empenhar ao máximo para que de fato as necessidades da evangelização sejam todas providas.
Mais uma vez vemos presente na instrução dos apóstolos a lição da caridade: “Onde não tiver profetas, dêem aos pobres”.
4. A celebração dominical
“14,1Reúnam-se no dia do Senhor para partir o pão e agradecer, depois de ter confessado os pecados, para que o sacrifício de vocês seja puro. 2Aquele que está de briga com seu companheiro, não poderá juntar-se a vocês antes de se ter reconciliado, para que o sacrifício que vocês oferecem não seja profanado. 3Esse é o sacrifício do qual o Senhor disse: “Em todo lugar e em todo tempo, seja oferecido um sacrifício puro, porque eu sou um grande rei, diz o Senhor, e o meu nome é admirável entre as nações”. (Didaché 14,1-3). (Cf. Mt 5,23-25; Ml 1,11-14)
Outra reafirmação da Didaché, agora no que diz respeito à celebração da Eucaristia.
Para os primeiros cristãos, é na Eucaristia que se concretiza o espírito de fraternidade que rege a comunidade, pois ela por si só é celebração da fraternidade. A insistência na confissão dos pecados e na reconciliação é para que a Eucaristia não seja profanada no seu sentido mais profundo. Reconciliação que não deve ser só no momento do culto, mas, em toda vida, pois sem isto a Celebração dominical e a Eucaristia perdem o seu sentido: reunir os filhos de Deus, para o seu louvor.
5. A vivência comunitária
A) Dois modelos de Igreja
A Igreja nascente viu-se diante de dois modelos de Igreja. A comunidade palestinense mais ligada à tradição, onde estavam presentes os apóstolos e os presbíteros; A Didaché lembra este modelo de Igreja. O segundo modelo de Igreja nasceu fora da Palestina e era voltado à missão e as necessidades que dela surgiam, tendo logo a necessidade de servidores para a comunidade, no caso os diáconos, e de supervisores para as diversas comunidades existentes, os bispos; ambos escolhidos de modo democrático, ou seja, pelo povo.
Os diáconos e bispos em geral eram homens sábios e conhecedores do Evangelho, porém, não se sabe dizer com precisão qual eram as suas funções nas comunidades.
A Tradição e missão são dois elementos presentes em toda comunidade cristã, independente do modelo que ela segue nos primeiros séculos do cristianismo, pois a tradição significa fidelidade ao compromisso com o projeto de Jesus, e a missão significa encarnar este projeto, a fim de responder os desafios de cada tempo e lugar. Ou seja, a comunidade precisa ter os olhos fixos no Evangelho e na Vida.
B) Base da vida comunitária: Correção mútua, feita com espírito fraterno. Este constitui o esforço básico da comunidade, pois não é bom viver sozinho e não é fácil viver junto. A Didaché mostra que a comunidade deve levar a sério este preceito, e ser implacável, ao ponto de isolar completamente quem ofendeu o próximo, até que ele aprenda a necessidade da reconciliação;
Expressão da vida cristã: Sua finalidade é sempre o Evangelho de Cristo, e ela deve se exprimir por meio da oração (intimidade com Deus), da esmola (amor ao próximo) e da ação, colaborando para a transformação da sociedade pecadora na comunidade fraterna que Deus quer para seus filhos e filhas.
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