A. Primeira Parte: Os dois caminhos.
(Capítulos 1 a 6)
É uma catequese fundamental para aqueles que desejam viver e se comportar de modo cristão, explicada através do símbolo do caminho, que aqui vai ser explicado sob dois significados, o caminho da vida e o caminho da morte: “1,1Existem dois caminhos: um é o caminho da vida, e o outro, o da morte. A diferença entre os dois é grande”. (Didaché 1,1). (Cf. Dt 5,32s. 11,26-32. 30,15-20; Ecle 15,15-17; Jr 21,8; Mt 7,13-14)
O cristão deve fazer uma escolha fundamental que irá definir toda a sua vida e destino. Só há um caminho que produzirá no cristão a vida e realização, é o caminho da vida. Os outros caminhos acabam por levar à perdição e a morte.
1. Viver é amar
O ponto de partida da vida cristã é o amor a Deus, refletido no amor a si mesmo e ao próximo. O amor ao próximo deve ter a mesma medida do amor que o cristão tem para consigo mesmo, e entenda-se “próximo” como todas as pessoas, inclusive os “inimigos”. Assim entende-se que os cristãos não são e nem podem ser inimigos de ninguém.
2. A violência do amor
O cristão não pode agir por “instinto”. Diante de qualquer tipo de violência, ele responde sempre com a violência do amor, a única capaz de desarmar o violento.
3. O amor de partilha
É preciso entender que o distribuidor dos bens é Deus, e ele dá estes bens para que sejam repartidos entre todos. O cristão é chamado a partilhar os seus bens porque ele é capaz disto, principalmente com aqueles que nada têm. Por sua vez, quem do outro recebe bens em sinal de partilha, deve ter discernimento, pois a “necessidade” não pode ser pretexto para o acumulo ou desperdiço, sobretudo, no tocante a alimentos e vestuário. Aqui se fala claramente do “bem comum” da comunidade, onde os cristãos devem ter tudo em comum e dividir os seus bens com alegria (Cf. At 2,42-47).
O versículo sexto traz um alerta: Não basta ajudar materialmente quem é necessitado, por simples desencargo de consciência; é preciso comprometer-se com o pobre, entrar em comunhão com ele e participar de toda a sua situação, pois a ajuda material na verdade é um segundo aspecto de uma missão bem maior que é acabar com a pobreza, tanto material, como espiritual. Doar a quem não tem é muito mais que uma ocasião para se fazer caridade.
4. Exigências do amor ao próximo
As primeiras comunidades cristãs recapitulam e ampliam, conforme a sua realidade os preceitos e as conseqüências dos dez mandamentos, tendo sempre presente o mandamento de Jesus, que constitui no amor ao próximo, que por sinal, será sempre uma exigência para a vida na comunidade.
Os mandamentos, neste contexto, podem ser divididos em três grandes linhas:
· O respeito à vida: Já nas primeiras comunidades havia o cuidado pela própria vida e a vida dos outros, enxergando aqui a vida como um verdadeiro Dom de Deus, e por isso mesmo os cristãos já abominavam o aborto, que hoje infelizmente é reivindicado como “um direito da mulher” na sociedade, inclusive em alguns grupos e movimentos que se dizem “católicos”. A vida que é dom de Deus passou a ser dom de seres humanos? Mas, isto é pauta para outro assunto;
· O respeito aos bens;
· O respeito ao próximo: mais uma vez o mandamento do amor.
As comunidades entendem que os mandamentos não podem ser compreendidos em si mesmos apenas, mas, que eles irão proporcionar e pressupor o fundamento da vida cristã, que traz como exigência à fraternidade e a partilha, visando à justiça e a imitação em todos os campos da vida do Evangelho de Jesus Cristo.
5. As raízes do mal e do bem
O principio geral deste texto se resume em “evitar o mal”, apresentado como conseqüência do egoísmo, da falta de autocontrole e ambição por parte do homem. Ainda aqui identificamos fortes traços do decálogo e do trato com o próximo.
A) Raízes do mal
As primeiras comunidades designam desta maneira as raízes do mal:
a) Homicídio e adultério: Têm suas raízes na falta de controle e na cobiça. Cobiçar não é simplesmente desejar, mas planejar para se apropriar do que se deseja;
b) Idolatria: A manipulação de “coisas tidas como sagradas”, em vista de interesses próprios e para conseguir poder sobre os outros, através da enganação, sobretudo, pois quem faz este tipo de manipulação, acaba por acreditar e fazer os outros acreditarem que ela é absoluta e divina. As primeiras comunidades já têm este cuidado de não se “misturar” com outras doutrinas que não condizem com o cristianismo, e mais do que isso, reprovam categoricamente todo tipo de adivinhação, encantamentos, astrologia (horóscopo) e outras doutrinas que tenham certo toque de magia, que eram muito comuns na época;
c) Mentira: Ocultação de uma verdade à qual o próximo tem direito, visando os interesses de alguém, como dinheiro, prestígio e fama;
d) Riqueza: Para os primeiros cristãos, ao lado do poder a riqueza é outro grande ídolo, pois acreditavam que o poder roubava-lhes a liberdade, e a riqueza roubavam-lhes os bens, que na verdade são de direito de todos. Pensavam assim por dois motivos: primeiro porque procurava viver em tudo o ensinamento do Senhor e o modo como o mesmo viveu entre nós; segundo, porque o poder e a riqueza na época pertenciam somente aos “grandes”, que em geral, oprimiam e escravizavam os “pequenos”;
e) Blasfêmia: Segundo os primeiros cristãos é dizer que o projeto de Deus é mau, pois a murmuração, a insolência e a mente perversa levam a dúvida e à reclamação e, por conseguinte à blasfêmia.
B) As raízes do bem:
a) Opção pelos pobres: Vemos que desde sua origem, a comunidade cristã é convidada a optar pelos pobres, pois são estes que buscam e podem realizar a justiça que Deus quer. As qualidades apresentadas (mansidão, paciência, misericórdia, respeito, humildade) pertencem aos pobres e aos justos que crêem no anuncio do Evangelho e lutam pelo Reino de Deus – todos nós hoje somos convidados a nos enquadrarmos desta maneira, assim como os primeiros cristãos tiveram consciência de que nisto se constitui a verdadeira vocação da comunidade cristã. A força dos pobres não vem de armas, mas, da violência do amor que persevera, certos das promessas do próprio Jesus nas Bem aventuranças, de que a herança é o Reino de Deus (Cf.);
b) Aceitar a vontade de Deus: O cristão deve ter consciência de que a vida e a história obedecem em primeiro lugar à vontade de Deus, de que todos tenham vida. Por isso, o cristão deve, com base na Palavra de Deus, buscar nos acontecimentos do dia a dia, não os seus caprichos e interesses, mas, sempre a Vontade de Deus.
6. A pessoa inserida na comunidade
Este trecho afirma que a vida cristã deve ser centralizada no amor a Deus e ao próximo, e que a mesma essencialmente é realização comunitária onde tudo é partilhado fraternalmente (Cf. At 2,42-47). Encontramos ainda traços do “rosto” das primeiras comunidades: seus representantes, espaço e procedência dos membros.
A) O Evangelho e seus pregadores: É certo que as comunidades do primeiro século ainda não conhecem os evangelhos escritos, e sim, sua versão oral. O significado do Evangelho para os primeiros cristãos é o mesmo para nós hoje, trata-se de uma “Palavra viva” do próprio Cristo, que era preservada e anunciada por “pregadores itinerantes”, que servem as comunidades e dependem delas. Não se sabe ao certo, se estes pregadores já possuíam alguma espécie de sacerdócio, e se eles tinham alguma função de lideres nas comunidades;
B) A Comunidade Cristã:
a) Ambiente vital dos cristãos, onde estes partilham a vida e encontram uns nos outros o apoio para perseverar na fé;
b) É valor máximo na vida dos cristãos, e por isso não pode ser palco de divisão ou competição;
c) É nela que se dá a reconciliação, que deve ser preocupação de todos sem exceção;
d) Tudo o que a comunidade cristã reconhece e possuí é dom de Deus;
e) Lugar de acolhida por excelência dos pobres e marginalizados;
f) Lugar de partilha: “Deus dá tudo, para que todos repartam tudo, segundo as necessidades de cada um”.
C) Viver em Comunidade: Viver em comunidade supõe que cada um confie plenamente no Dom de Deus, libertando-se da preocupação individual e calculista com o amanhã. Para tal vivência a comunidade precisa se educar, e o ponto fundamental nesta educação é a instrução no temor de Deus, ou seja, a comunidade precisa aprender a reconhecer em Deus, o Senhor e doador da vida, que tem o seguinte projeto: “Antes de se partilhar qualquer coisa, a comunidade precisa partilhar a vida recebida de Deus mesmo entre todos (Cf.). Só assim o cristão poderá partilhar as outras coisas que dia após dia Deus dá á comunidade”. Aqui começa a educação cristã, ao mostrar que os cristãos são interdependentes e se completam mutuamente na partilha do que cada um é e tem. O desejo de Deus é que não haja mais desigualdade, para que todos formem uma única família, visando na diversidade o bem comum de todos. A vivência na comunidade é expressão deste desejo de Deus.
D) Transformação das estruturas: Os cristãos começam a ganhar a consciência de que o Evangelho exige mudança radical. Não basta o cristão defender a doutrina, é preciso praticá-la, para não cair em hipocrisia. Não basta guardar os mandamentos, é preciso vivê-lo.
E) O Sacramento da Confissão: A Confissão aparece aqui não como um sacramento juridicamente estruturado e reconhecido. Provavelmente os cristãos já confessavam os seus pecados, mas, não a um sacerdote, e sim à comunidade que era a responsável pelo perdão. Aliás, o “sentir-se viva” da comunidade estava centrado na confissão e no perdão;
F) A oração: O texto nos fala que não se deve começar a oração com má consciência, portanto, a oração do cristão deve ser autêntica, feita dentro do projeto de Deus e em vista da sua realização.
7. O caminho da morte
Resumindo, a catequese dos primeiros cristãos sobre o caminho da vida consiste primeiramente no temor a Deus, e depois no amor a Deus e ao próximo. Sendo assim, o caminho da morte constitui o contrário, pois começa com a ausência do temor a Deus, que faz o homem se colocar em seu lugar e se achar no direito de se julgar como centro e senhor da sua vida. Este trecho traz um alerta aos primeiros cristãos, e em outras palavras diz que quando o homem usurpa o lugar de Deus, cria automaticamente um projeto de escravidão e morte, descaracterizando totalmente o projeto de vida de Deus. Esta lista de pecados e vícios enumerada mostra o poder da auto-suficiência humana.
É interessante refletirmos o seguinte: os cristãos dos primeiros séculos temiam cair em algum destes pecados e vícios, porque tinham a consciência de que isto constituía um mal grande a comunidade, pois tinha presentes em sua vida o temor filial a Deus. Em outras palavras, tinham medo de pecar e sabiam muito bem onde poderiam ou não colocar os seus pés e sua vida.
Nestes tempos em que vivemos se perderam de vista todas estas coisas, e a lista de vícios e pecados que é citada aqui, não passa simplesmente de coisas corriqueiras da vida dia diária de muitos, inclusive cristãos. Será que não é necessário que os homens e mulheres de nosso tempo reinflamem no coração o temor a Deus, e lhe devolva a direção de sua vida?
8. Perfeição é servir ao Senhor
Este trecho conclui a primeira parte do Catecismo dos primeiros cristãos, inclusive é a parte mais complexa da instrução. A conclusão de dá por meio de uma exortação, para que os cristãos tenham discernimento em sua vida, a fim de não se desviarem do caminho da vida, ou seja, o caminho do Senhor.
Nesta primeira parte vimos o “Evangelho vivo”, que chegou até os primeiros cristãos por meio da Tradição Oral. O jugo do Senhor de que fala o texto, se trata deste Evangelho aqui proclamado, que de maneira alguma é imposição, mas sim convite e proposta a serem aceitos individualmente por cada membro na comunidade que predispõe a estar no caminho do Senhor e busca ao servi-lo a perfeição. Perfeição deve ser entendida aqui na integra: para ser perfeito é preciso servir ao Senhor.
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