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segunda-feira, 5 de maio de 2014

O reconhecemos ao partir o Pão

1. “Eles reconheceram o Senhor ao partir o pão” (Cf. Lc 24,30-31). Esta afirmação que ouvimos no Evangelho aponta para nós algumas realidades:
·         A experiência do Ressuscitado da primeira comunidade cristã;
·         As refeições fraternas nas casas dos cristãos (Eucaristia);
·         O reconhecimento de Jesus como Senhor, que só “acontece” quando se percorre um caminho humano, que prevê alegrias e celebração, mas também o fracasso, a solidão, a busca pela justiça e verdade, a coerência em direção a um mundo melhor e a solidariedade (é esta a experiência que os discipulos de Emaús fazem na busca de respostas para os seus “porquês” e diante de toda angustia que estavam sentindo pelo ocorrido com Jesus);
É neste quadro que o Cristo, anônimo e misterioso, companheiro, testemunha e interlocutor das hesitações e dúvidas daqueles discipulos, revela-se, não como alguém que tem resposta para todos os questionamentos, mas como alguém que aceitou entrar no plano de Deus, onde torna-se o primogênito, ou seja, o primeiro de uma nova humanidade, nascida do seu sacrifício redentor.
Ele se revela num gesto tão simples: no partir de um pão. Um pão que indica a sua Presença no meio de nós, a Eucaristia.

2. A Eucaristia é um rito, pelo qual reconhecemos o Senhor. Não é qualquer rito, mas o memorial da sua morte e ressurreição. Neste rito se revelam os acontecimentos históricos da vida de Jesus, de sua Igreja e de toda a humanidade. Neste rito se revela o plano de Deus na atualidade da nossa história. A Eucaristia que celebramos não é recordação, mas atualização da Páscoa do Senhor e da nossa Páscoa também, pois é anúncio de salvação.
Este rito que celebramos como memorial é composto de duas partes: Liturgia da Palavra e Liturgia da Eucaristia. Seguimos os moldes da catequese primitiva dos apóstolos (por exemplo, At 2,14-33 – O discurso depois de Pentecostes), que se apoiava no testemunho da Escritura para interpretar o Cristo e seu anúncio; também a nossa comunidade se reúne para ouvir a Palavra de Deus proclamada, e assim compreender a sua vida de hoje ao mesmo tempo em que antecipa, na esperança, a glória com Cristo. Depois se celebra a Eucaristia – O Deus que nos fala se doa no pão consagrado e partilhado.
É por isso que a Igreja nos ensina que “as duas partes que constituem a missa, isto é, a liturgia da Palavra e a liturgia eucarística, são tão estreitamente unidas entre si que formam um só ato de culto” (SC 56). Ou seja, “só quem partilha a mesma história pode partilhar o mesmo pão que é memorial, presença e profecia do Senhor ressuscitado” (Missal Dominical, Paulus)

3. A Eucaristia conforme nos ensina a Igreja “é ápice e fonte de toda a vida cristã”. A comunidade cristã se reúne em torno dela, portanto em torno de uma pessoa, Jesus Ressuscitado, que, está presente na Eucaristia, força que une a comunidade, força que impulsiona o seu desenvolvimento. Nós ocupamos o lugar dos discipulos de Emaús, pois reconhecemos o Senhor no partir do pão.

4. Pedro nos apresenta em sua carta uma norma de vida que consiste no temor filial que se deve ter em relação a Deus. Esta norma de vida tem seu fundamento na fé no mistério de Cristo revelado nos últimos tempos. De fato, a revelação última de Jesus, depois de Pentecostes, acontece na Eucaristia, revelação que se renova a todo instante nos altares ao redor do mundo.
O Sangue de Jesus derramado na Cruz é o mesmo Sangue consagrado sobre o altar, este é o preço pago pelo nosso resgate e ao mesmo tempo fundamento da nossa esperança (Cf. I Pd 1,17-21). Sob o olhar do Apóstolo que nos explica o mistério pascal, apresentando-nos como motivo determinante de santidade e de vida, ele nos fala do resgate que Cristo nos faz, o que nos leva a compreendermos ainda mais a Eucaristia como fonte e ápice de toda vida cristã.
A Eucaristia nos leva a fazermos uma experiência de resgate de consciência. A consciência de termos sido resgatados da vergonha e da escravidão e do pecado mediante o sangue do Filho de Deus. Este argumento é forte e inevitavelmente leva os homens a amar o seu Salvador e a viver de tal modo que sua Paixão não tenha sido inútil. O Sangue de Jesus é precioso, é dom, é esperança de vida eterna.  

5. Sendo fonte de vida, a Eucaristia nos chama a viver uma dimensão social, este Senhor que é reconhecido ao partir do pão por aqueles que comungam, pede aos mesmos, que se comprometam a partilhar outro pão, o pão da justiça e da solidariedade, um pão de defesa para aqueles que têm o pão de cada dia roubado pelas injustiças dos homens e sistemas sociais exploradores. Se faltarmos com este compromisso a Eucaristia não tem sentido, deixa de ser revelação da Presença de Jesus e passa a ser apenas um fenômeno alienante que alimenta somente uma fé sem raízes e sem compromisso.
A este respeito nos diz São João Crisóstomo: "De que serve ornar de vasos de ouro a mesa do Cristo, se ele mesmo morre de fome? Começa por alimentá-lo quando está faminto, e então poderás decorar sua mesa com o supérfluo. Dize-me: se, vendo alguém privado do sustento indispensável, o deixasses em jejum e fosses enfeitar sua mesa com vasos de ouro, achas que ele te seria agradecido? Ou não ficaria indignado? Ou ainda, se vendo-o vestido de andrajos e trêmulo de frio, o deixasses sem roupa para erigir-lhe monumentos de ouro, pretendendo assim honrá-lo, não diria ele que estarias zombando dele com a mais refinada ironia? Confessa a ti mesmo que ages assim com o Cristo, quando ele é peregrino, estrangeiro e está sem abrigo, e tu, em lugar de recebê-lo, decoras os pavimentos, as paredes e os capitéis das colunas. Suspendes candelabros com correntes de prata, e quando ele está acorrentado, não vais consolá-lo. Não digo isto para reprovar esses ornamentos, mas afirmo que é necessário fazer uma coisa sem omitir a outra; ou melhor, que se deve começar por esta, isto é, por socorrer o pobre".

6. Por fim, a Liturgia de hoje nos indica um caminho para o verdadeiro encontro com Jesus: é preciso escutar as Escrituras e partir juntos o Pão. Desta forma nos nutrimos do Pão da Vida que é a Eucaristia. Quem participa da Eucaristia se deixa transformar por Aquele que nela se doa. Por isso, a Eucaristia tende a nos tornar apóstolos, pois ela é amor ardente de Deus por nós, a qual devemos amar com um amor igualmente consumidor.
Sim, o “reconhecemos ao partir o pão”.

Pe. Rodolfo Marinho de Sousa
3º. Domingo da Páscoa – “Domingo dos Discipulos de Emaús” (Ano A)
São Paulo, 04 de Maio de 2014